O pós-modernismo é definitivamente um “conceito de contrastes”. Tira seu significado de tudo que exclui ou alega substituir, quanto do que inclui ou afirma como positivo. E o fim da modernidade é a ocasião de refletir sobre a experiência da modernidade; a pós-modernidade é esse estado de reflexão. A fim de compreender e examinar o pós-moderno, temos, em primeiro lugar, de compreender o significado do moderno.
“Modernidade” é a abrangência de todas as mudanças – intelectuais, sociais e políticas – que criaram o mundo moderno. “Modernismo” é um movimento cultural que surgiu no ocidente no fim do século XIX, como uma reação crítica a essas mudanças, ou seja, à modernidade. O mundo antigo era pagão, o moderno, cristão. Isto é, o primeiro estivera envolvido nas trevas, o último fora transformado pelo aparecimento de Deus no meio dos homens sob a forma de seu filho, Jesus Cristo e assim, pela primeira vez se atribuiu um significado à história. O cristianismo usando a herança messiânica judaica infundiu significado e finalidade no tempo ao concentrar em um evento (irrepetível e incomparável), ao qual deu importância única: a vinda de Cristo. O aparecimento de Cristo revelara o segredo da história, oculta aos antigos. Os fatos narrados na Bíblia, da criação até a Encarnação, e sua promessa e profecia de uma futura consumação no Segundo Advento e Juízo Final, contam uma história de pecado e redenção que ocorre no tempo. Toda criação é criação de Deus e está sujeita à Sua vontade. Mas Ele resolveu enviar seu filho aos homens e, dessa maneira, injetou na história humana um valor indescritivelmente mais alto que qualquer outro no mundo não-humano. O cristianismo conta uma história com um começo, um meio e um fim – e insiste nessa ordem necessária de eventos. Simultaneamente, inverte a cronologia e interpreta a história de frente pra trás, a partir de seu ponto final. É orientada para o futuro. Satura o presente com um senso de expectativa, criando uma tensão permanente entre o presente e o futuro. Durante mais de um milênio (toda a Idade Média), a “modernidade” exibiu em relação ao presente e ao futuro uma indiferença que chegava ao desprezo, o que era um contraste surpreendente com a reorientação radical em relação ao tempo, implícita na filosofia cristã da história. Nos casos e ocasiões em que o milenarismo floresceu na Idade Média, os crentes, na verdade, forçosamente teriam que sentir que seu próprio tempo estava investido de uma significação especial, e agir de acordo com isso.
Não é difícil entender como, a despeito da concepção radicalmente diferente de tempo introduzida pelo cristianismo, essa interpretação bastante aceita da relação entre tempo sagrado e secular poderia culminar em uma visão de tempo terreno não muito diferente da que era aceita pelos antigos. A novidade era equiparada a trivialidade e a coisa ainda pior. Refletia exatamente a superficialidade da ordem terrena, em comparação com a divina. No mundo medieval, a originalidade de pensamento de nada valia e o plágio não era considerado como pecado. Foi a Renascença, na verdade, que pela primeira vez dividiu a história ocidental em três épocas – a Antiga, a Medieval e a Moderna. Atribui-se a Petrarca, “o pai do humanismo”, a invenção, no século XIV, a idéia da “Idade das Trevas”. O “renascimento” da Renascença foi a recuperação de formas mais antigas, do pensamento e dos costumes do mundo clássico. Mas houve também outra conseqüência da adoração do mundo clássico pela Renascença. Ela trouxe para primeiro plano o interesse pela história secular, em contraste com a história sagrada, que dominara o pensamento medieval. Os novos tempos de fato representavam um rompimento com a estagnação da Idade Média, mas esta revolução foi concebida de acordo com o modelo dos antigos, como o movimento de uma roda ou círculo que volta à origem. Mas há um sentido, no qual, pelo menos indiretamente, a Renascença de fato contribuiu para nosso conceito de modernidade. O próprio vigor e vitalidade da vida na Renascença deram aos europeus uma nova confiança em sua capacidade de, pelo menos, imitar os antigos, se não ultrapassá-los. Durante todo o séc. XVII e a maior parte do séc. XVIII persistiu a idéia de que decadência e degeneração eram partes tão integrantes da história humana como o crescimento e o progresso. Idéias clássicas e cristãs de tempo e história continuaram a dominar a mente ocidental até a segunda metade do séc. XVIII. Enquanto persistisse essa situação não poderia haver um autêntico conceito de modernidade.
“A humanidade é tão igual, em todos os tempos e lugares, que a história não nos informa coisa alguma de novo ou estranho neste aspecto. Seu principal uso consiste em descobrir os princípios constantes e universais da natureza humana.” (David Hume)
Kant chama de “terrorismo moral” do cristianismo, a expectativa apocalíptica do fim do mundo, e tinha que ser exorcizado. Juntamente com Turgot, Condorcet e outros teóricos do séc. XVIII concebeu a idéia de progresso, a base da nova idéia de modernidade. As divisões convencionais de Antiga, Medieval e Moderna foram elevadas à categoria de “estágios” da história mundial e estes, por sua vez, aplicados a um modelo evolucionário da humanidade, que concebeu especial urgência e importância ao estágio mais recente, o moderno. Modernidade significava rompimento completo com o passado, um novo começo baseado em princípios radicalmente novos. O ingresso em um tempo futuro expandido de forma infinita, um tempo para progressos sem precedentes na evolução da humanidade. O passado nada mais era do que a preparação para o presente.
A Revolução Francesa de 1789 foi a primeira revolução moderna. Ela transformou o conceito de revolução. Tornou-se comum dizer que ela levara o mundo para uma nova era da história. Marcou o nascimento – isto é, de uma época que está em constante formação e reformação diante de nossos olhos. A modernidade não é produto dessa revolução, mas é em si, basicamente revolucionária, uma revolução permanente de idéias e instituições. Para os filósofos da modernidade essa revolução foi uma das principais expressões, como também um dos principais veículos, da nova consciência. Ela anunciou o objetivo do período moderno como obtenção de liberdade sob a orientação da razão. Se a Revolução Francesa deu à modernidade sua forma e consciência características – uma revolução baseada na razão –, a Revolução Industrial forneceu-lhe a substância material.
Alguns pensadores, especialmente Hegel, transformaram a religião cristã em filosofia secular de história. A história, segundo eles, é um processo de revelação progressiva e auto-realização do espírito humano. “Não teria havido revoluções e constituições americanas, francesa e russa sem a idéia de progresso, e nenhuma idéia de progresso secular para a realização do homem sem a fé inicial em um Reino de Deus.” (Karl Löwith)
Assim, a modernidade é tanto uma questão de idéias e atitudes quanto de técnicas. Além disso, na medida em que se relaciona com o capitalismo, e não com o industrialismo em sentido mais estreito, a associação entre modernidade e as formas de vida econômica teria, mais uma vez, que remontar ao séc. XVI e ao sistema de capitalismo comercial que surgiu nessa época. A modernidade possui um aspecto de antes-e-depois que é também uma marca característica das revoluções. Com a Revolução Industrial, esse aspecto tornou-se cada vez mais evidente para os seus contemporâneos, na medida em que, para muitos deles, a única divisão importante na história humana parecia ser a que havia entre as civilizações pré-industrial e industrial. O industrialismo transformou sociedades ainda na maior parte pobres e agrárias em centros concentrados de poder, cujas mercadorias, canhões e navios esmagaram a resistência de todos os povos não-industriais. A estreita associação entre modernidade e industrialismo é uma razão por que há hoje pensadores que proclamam o fim da modernidade. O industrialismo pelo menos da forma convencionalmente entendida, parece ter-se esgotado, ter chegado a seus limites, posto que não é simplesmente tecnologia em grande escala ou crescimento econômico, ou mesmo ciência aplicada em geral.
Não foi a vigor da Alta Idade Média, nem na explosão criativa da Renascença, tampouco na Revolução Científica do séc. XVII, mas sim na Idade da Razão, na segunda metade do séc. XVIII que nasceu a idéia de modernidade. Sem dúvida é possível argumentar que a cultura da modernidade foi, desde o início, subversiva para a idéia de modernidade. Daniel Bell vê uma separação radical entre “racionalidade funcional” da “ordem tecno-econômica” da sociedade moderna e o impulso anárquico e hedonista para a “individuação e auto-realização”, que constitui o princípio de sua cultura.
Para Baudelaire, modernidade é essencialmente uma categoria estética, e não histórica. Todas as eras têm sua “modernidade”. Ele diz que “houve uma forma de modernidade para todo pintor do passado.” Todos os artistas, em todos os tempos, têm que procurar representar o moderno, a aparência e o sentimento específicos de sua própria época. Todo artista tem que incorporar à sua obra o “elemento transitório, efêmero” ou então arriscar-se a cair “no vazio de uma beleza abstrata e indefinível”. Para Berman, o conceito de Baudelaire “esvazia a idéia de modernidade de todo o seu peso específico, de seu conteúdo histórico particular. Torna cada um e todos os tempos ‘tempos modernos’ e, ironicamente, ao espalhar a modernidade por toda a história, leva-nos para longe das características específicas de nossa história moderna”.
Para Matthew Arnold a sociedade é moderna quando tolerante, racional, crítica e possuidora de um número suficiente das convenções da vida para permitir o desenvolvimento do bom gosto. Ele pensava em impor as qualidades desse conceito à sociedade e à cultura de seus próprios dias. Mas o que ele não fez, e que seu conceito não nos permite fazer, é identificar o moderno com a “era moderna”, isto é, com as características específicas do período histórico que surgiu mais recentemente.
A ambivalência de Baudelaire em relação ao moderno – o que Berman chama de suas imagens “pastorais” e “antipastorais” da modernidade – mais aumenta do que diminui sua importância na teoria da modernidade. Marx impressionou-se com o paradoxo de que “em nossos dias, tudo parece conter em si o seu oposto”; progresso material lado a lado com empobrecimento espiritual, conhecimento científico acompanhado de ignorância em massa, conquista da natureza seguida de escravidão de seres humanos. Lionel Trilling chamou a atenção para a mutabilidade do conceito de moderno; sua fluidez é tanta, na verdade, que pode dar uma volta completa em significado até ficar virada para a direção oposta. O modernismo pode também ser visto como um romantismo tardio. Mas vai tão mais longe em seu ataque à modernidade que temos o direito de considerá-lo algo quase qualitativamente diferente. Há uma abrangência em sua rejeição maciça de todos os ídolos da modernidade que assinala algo novo. Em tom e maneira, observamos uma nova seriedade e ferocidade, um desejo selvagem e deliberado de escarnecer e ofender. Não foi somente nas artes que as tendências modernistas fincaram raízes. Em todo o reino do pensamento filosófico, psicológico, social e político podia-se ouvir o chão tremendo e rachando. As correntes dominantes do racionalismo, positivismo e utilitarismo foram atacadas. Freud colocou um gigantesco ponto de interrogação em seguida à idéia moderna de progresso. A civilização moderna foi construída ao custo de enorme sofrimento psíquico e de debilitamento.
De modo geral, é correto salientar que o modernismo não constituiu uma simples rejeição da modernidade, mas sim, uma reação, uma resposta à mesma. A acusação feita, neste caso, era que a sociedade moderna não era moderna o bastante. Era “falsamente” moderna, cautelosa demais, covarde demais, para aceitar todas as implicações da modernidade. A modernidade, que fora definida como um “rompimento com a tradição”, tornou-se em si uma tradição, a “tradição do novo”. Sob a força do modernismo, a modernidade veio a tornar-se nada mais do que inovação sem fim: mudanças intermináveis de estilo, ciclos intermináveis de modas.
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