WEBER, MARX, DURKHEIM

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Pilares da Sociologia Clássica

sábado, 18 de dezembro de 2010

CIÊNCIA E SOCIEDADE NA EVOLUÇÃO DO BRASIL – FLORESTAN FERNANDES – A SOCIOLOGIA NO BRASIL

     

 Atividades inerentes à pesquisa fundamental e à elaboração ou à transmissão de conhecimentos científicos exigem certas condições histórico-culturais e sociais. Nas sociedades em que florescem o saber racional e que apresentam estruturas diferenciadas, cuja divisão do trabalho e dos papéis ocorre de forma mais acentuada, concentram nas mãos de alguns indivíduos toda atividade criadora na explicação da origem e da composição do mundo. Ao associar essas atividades com as concepções secularizadas da existência da natureza humana e do funcionamento das instituições, ou quando o acesso aos papéis de produção intelectuais se torna aberto, deixando de ser prerrogativa de determinadas castas, estamentos ou círculos sociais, ou ainda quando estilos divergentes de pensamento passam a disputar o reconhecimento público de sua legitimidade ou validade – o saber racional assume a forma de saber positivo ou científico. Na investigação positiva do objeto procura-se um critério para a descoberta da verdade e um instrumento para selecionar os conhecimentos considerados verdadeiros, reelaborá-los ordenadamente em um sistema de saber positivo e aplicá-los nas esferas em que se tomem decisões de significação vital para a coletividade. No período colonial, que compreende os desenvolvimentos políticos do país do séc. XVI ao começo do séc. XIX, os papéis proporcionais intelectuais, ligados com o saber racional, foram quase monopolizados pelo clero. É interessante notar que foi o catolicismo, como religião letrada e institucionalizada, que transplantou para o Brasil um tipo de saber que não encontrava fundamentos na ordem social existente. O saber racional não possuía outro fundamento que o que derivava da própria natureza e do modo de organização da vida religiosa. As questões que a escravidão criava, na esfera da vida religiosa, eram resolvidas em instâncias superiores, fora da organização eclesiástica colonial. Segundo, o que era bem mais importante, a Igreja fazia parte e era solidária com os empreendimentos colonizadores do Reino. Apesar de contribuir para a transplantação de um tipo de saber que não encontrava condições culturais propícias na ordem social existente, o clero deixou de incutir aos papéis intelectuais, inerentes à atividade sacerdotal, qualquer dinamismo interno, intelectualmente criador. A partir do primeiro decênio do século XIX surgem as primeiras pressões no sentido de adestrar um setor maior da população para o exercício de tarefas administrativas e políticas ou para enfrentar necessidades que emergem com a expansão econômica e com o crescimento demográfico.  Em menos de 100 anos, a sociedade brasileira passou precipitadamente, por transformações que realizaram algures (em países como França ou a Inglaterra), com relativa lentidão, entre a desintegração da sociedade medieval e a revolução industrial. Na Europa, os processos de desenvolvimento do pensamento, da economia e da sociedade podem ser interpretados como processos interdependentes. É visível a ligação do pensamento com a solução de problemas que se colocaram no plano da ação política ou da transformação econômica. No Brasil essa ligação não é perceptível com a mesma clareza, devido ao fato do saber racional utilizado não se ter constituído e desenvolvido como produto das exigências da situação histórico-social. Vários fatores concorriam para restringir os núcleos de criação intelectual espontânea na sociedade brasileira do século XIX. Em primeiro lugar, o principal foco de interesse da aristocracia brasileira, em face do ensino superior, se dirigia para a formação de uma elite capaz de exercer as funções públicas, de natureza política ou administrativa. Em segundo lugar, como conseqüência, só no campo de atividade do bacharel os papéis intelectuais acabaram ligando criadoramente o pensamento racional com a solução de problemas emergentes na esfera da ação (fosse ela política, administrativa ou privada). Na verdade, o bacharel se transformou em agente e prolongamento do senhor rural no mundo urbano da corte ou das capitais das províncias. Quando não era seu filho ou neto, era seu dependente, conformando-se com a ordem moral associada à escravidão, ao latifúndio e à monocultura. Em terceiro lugar, na própria organização estratificada da sociedade havia fatores que isolavam as camadas sociais e tornavam infrutíferos os contatos ou a comunicação entre portadores de concepções diferentes do mundo. Em quarto lugar, a escravidão excluía do campo de influência criadora todos os papéis sociais que se relacionassem com o ‘trabalho servil’ e com as ‘profissões mecânicas’. Em um país agrícola, cujo progresso econômico se subornava à capacidade de organizar e de expandir a produção rural, o prestígio do fazendeiro não provinha de sua competência técnica, mas da situação dele como proprietário rural, como senhor de escravos e, eventualmente, como chefe político e como bacharel. Por fim, em quinto lugar, os valores e os ideais da camada dominante limitavam o horizonte intelectual dos que estavam em condições de tomar decisões e de influir pessoalmente na arena política. Os fatores descritivos sugerem que o desenvolvimento institucional da sociedade brasileira, durante o século XIX, foi insuficiente para criar as condições que são indispensáveis à formação de um saber racional autônomo, capaz de evoluir como esfera especializada de atividades intelectuais.  O próprio ensino superior se constituíra, rapidamente, em uma maneira de organizar essa relação de dependência cultural diante dos países europeus. O meio social ambiente não desencadeava forças culturais suficientemente fortes para estimular um novo estilo de pensamento ou para incentivar a transformação homogênea das escolas superiores em centros de pesquisa original. O elemento mais exposto e inconsciente da ordem moral associada à sociedade senhorial era, certamente, a escravidão. No período em que se iniciam os antagonismos da cidade com o campo e da burguesia dependente, em formação, com a aristocracia rural, dominante, esse elemento foi escolhido como o alvo central e o ponto de apoio estratégico dos movimentos de reconstrução social. É sob este prisma que o abolicionismo representou a primeira revolução social por que passou a sociedade brasileira. É nesse período de mudança estrutural, na transição para o século XX e no decorrer de sua primeira metade, que se elabora na sociedade brasileira, um clima de vida intelectual que possui pontos de contato e certas similaridades reais com o desenvolvimento do saber racional na Europa. O drama que o Brasil compartilha com outras nações subdesenvolvidas consiste na disposição insuficiente de recursos racionais de pensamento e de ação.  A magia de origem folclórica continua a existir e a ser praticada, crenças religiosas ou mágico-religiosas, encontram no campo propício para desenvolvimento graças às inseguranças subjetivas, desencadeadas pelas incertezas morais e ficções sociais do mundo urbano.

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