O Manifesto Comunista fez a humanidade caminhar. Não em direção ao paraíso, mas na busca da solução de problemas como a miséria e a exploração do trabalho. Rumo à concretização do princípio, que diz todos os homens são iguais. E sublinhando a novidade que afirmava que os pobres, os pequenos, os explorados também podem ser sujeitos de suas vidas. Por isso é um documento histórico, testemunho da rebeldia dos seres humanos. Seu texto, racional, em diversas passagens é irônico, mal esconde essa origem comum com homens e mulheres de outros tempos: o fogo que acendeu a paixão da Liga dos Comunistas, reunida em Londres no ano de 1847, não foi diferente do que incendiou corações e mentes na luta contra a escravidão clássica, contra a servidão medieval, contra o obscurantismo religioso e contra todas as formas de opressão. A Liga dos Comunistas encomendou a Marx e a Engels a elaboração de um texto que tornasse claros os objetivos dela e sua maneira de ver o mundo. Portanto, o Manifesto Comunista é um conjunto afirmativo de idéias, de verdades, em que os revolucionários da época acreditavam, por conterem, segundo eles, elementos científicos um tanto economicistas para a compreensão das transformações sociais. O Manifesto tem uma estrutura simples: uma breve introdução, três capítulos e uma rápida conclusão. A introdução fala com um certo orgulho, do medo que o comunismo causa nos conservadores. O fantasma do comunismo assusta os poderosos e une, em uma aliança, todas as potências da época. É a velha satanização do adversário. Mas o texto mostra o lado positivo disso: o reconhecimento da força do comunismo. Se assusta tanto, é porque tem alguma presença. Daí a necessidade de expor o modo comunista de ver o mundo e explicar suas finalidades, tão deturpadas por aqueles que não o queriam. A parte I, denominada Burgueses e Proletários, faz um resumo da história da humanidade até os dias de então, quando duas classes sociais antagônicas dominam o cenário. A grande contribuição deste capítulo talvez seja a descrição das enormes transformações que a burguesia industrial provocava no mundo, representando na história um papel essencialmente revolucionário. Com a sabedoria de quem manejava com destreza instrumentos de análise socioeconômica muito originais na época, Marx e Engels relatam o fenômeno da globalização que a burguesia implementava, globalizando o comércio, a navegação, os meios de comunicação. O Manifesto fala de ontem mas parece dizer de hoje. O desenvolvimento capitalista libera forças produtivas nunca vistas, mais colossais e variadas que todas as gerações passadas em seu conjunto. O poderio do capital que submete o trabalho é anunciado e nos faz pensar no agora do revigoramento neoliberal: nos últimos 40 anos deste século XX, foram produzidos mais objetos do que em toda a produção econômica anterior, desde os primórdios da humanidade. A revolução tecnológica e científica a que assistimos, cujos ícones são os computadores e satélites e cujo poder hegemônico é a burguesia, não passa de continuação daquela descrita no Manifesto , que criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, que os aquedutos romanos e as catedrais góticas; conduziu expedições maiores que as antigas migrações de povos e cruzadas. Um elogio ao dinamismo da burguesia? Impiedoso com os setores médios da sociedade, já minoritários nas formações sociais mais conhecidas da Europa, o Manifesto chega a ser cruel com os desempregados, os mendigos, os marginalizados, que podem ser arrastada por uma revolução proletária mas, por suas condições de vida, está predisposta a vender-se à reação. A relação relativa do papel dos comunistas junto ao proletariado é o aspecto mais interessante da parte II, intitulada Proletários e Comunistas. Depois de quase um século de dogmatismos, partidos únicos e de vanguarda, portadores de verdade inteira, é saudável ler que os comunistas não formam um partido à parte, oposto a outros partidos operários, e não têm interesses que os separemdo proletariado em geral. Embora, sem qualquer humildade, o Manifesto atribua aos comunistas mais decisão, avanço, lucidez e liderança do que às outras frações que buscam representar o proletariado, seus objetivos são tidos como comuns: a organização dos proletários para a conquista do poder político e a destruição da supremacia burguesa. O fantasma do comunismo assombrava a Europa e o livro procura contestar, nessa parte, todos os estigmas que as classes poderosas e influentes jogavam sobre ele. A resposta do Manifesto: Os comunistas querem acabar com toda a propriedade, inclusive a pessoal !. Marx e Engels responderam que queriam abolir a propriedade burguesa, capitalista. Para os socialistas, a apropriação pessoal dos frutos do trabalho e aqueles bens indispensáveis à vida humana eram intocáveis. Ao que se sabe, roupas, calçados, moradia não são geradores de lucros para quem os possui... O Manifesto a esse respeito, foi definitivo. O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, tira apenas o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação. Na sociedade capitalista a educação é, ela própria, um comércio, uma atividade lucrativa... Os comunistas querem socializar as mulheres ! Para o burguês, sua mulher nada mais é que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumento de produção serão postos em comum, ele conclui naturalmente que haverá comunidade de mulheres. O burguês não desconfia que se trata precisamente de dar à mulher outro papel que o de simples instrumento de produção.
SOCIOLOGIA DA ARTE
Esse blog tem por objetivo publicar textos sociológicos que sejam resumos de livros clássicos e/ou artigos teórico-analíticos da Sociologia. Pretendo a partir de hoje criar uma rede de debates sobre temas sociais atuais, buscando nos clássicos os fundamentos para a realização desses debates. Amantes e admiradores da Sociologia, sejam todos muito bem-vindos...
WEBER, MARX, DURKHEIM
terça-feira, 24 de maio de 2011
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
DA SOCIEDADE PÓS- INDUSTRIAL À PÓS- MODERNA – MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE I – A IDÉIA DA PÓS-MODERNIDADE – K. KUMAR
Na analogia com modernidade, é possível reservar pós-modernidade para o conceito social e político mais geral, e pós-modernismo para seu equivalente cultural. Mas isso chocaria com o uso corrente, que se recusa a fazer uma distinção analítica tão nítida – se recusa, na maioria dos casos, a fazer qualquer distinção. O princípio da “realização” e o ethos do utilitarismo, por exemplo, poderiam dominar o sistema econômico, enquanto que, na família e no sistema de parentesco, “atribuição de qualidades” e expressividade teriam primazia. Na opinião de Talcott Parsons e seus seguidores – criticando de forma implícita nesse ponto os marxistas – era exatamente nessa diferenciação e separação de esferas que a sociedade moderna conseguia liberdade e flexibilidade. Não há, ou pelo menos não há mais, qualquer força controladora e orientadora que dê à sociedade forma e significado – nem na economia, como argumentaram os marxistas, nem no corpo político, como pensaram os liberais, nem mesmo, como insistiram os conservadores, na história e na tradição. Há simplesmente um fluxo um tanto aleatório, sem direção, que perpassa todos os setores da sociedade. As fronteiras entre eles se dissolvem, resultando, contudo, não em uma totalidade neoprimitivista, mas em uma condição pós-moderna de fragmentação. Se há um setor privilegiado entre os pós-modernos, parece que é o cultural. Talvez esse seja o motivo pelo qual, na literatura, encontramos com mais freqüência o termo “pós-modernismo” do que “pós-modernidade”. Isso sugere que o impulso para a teoria pós-moderna veio inicialmente da esfera cultural e que seu principal interesse era o modernismo cultural. Em seguida outros pensadores adotaram o termo levando a um círculo, cada vez mais amplo da vida social, rotulado de pós-moderno. O pós-fordismo figura também com grande destaque da teoria pós-moderna, sobretudo na ênfase que se dá à descentralização e dispersão e à renovada importância de local. Uma vez mais, porém, os pós-modernistas rejeitam o arcabouço marxista que, em geral, acompanha esse enfoque.
A teoria pós-moderna é tão chocantemente eclética em suas origens como é sintética e mesmo sincrética em suas manifestações. Temos aí uma das razões de sua popularidade. Mas essa também é a razão de submetê-la a teste ou analisá-la à maneira habitual ou mesmo de discuti-la criticamente. Estudos sérios da compatibilidade entre teoria e realidade são recebidos com um sorriso irônico. Contradição e circularidade, longe de serem considerados como falhas na lógica, são, em algumas versões da teoria pós-moderna, realmente louvadas. O pós-modernismo deve ser até certo ponto analisado em seus próprios temos pós-modernistas, de acordo com a maneira como ele mesmo se considera.
A ênfase em opção e pluralismo lembra também um dogma fundamental do pós-fordismo. Charles Jencks não deixa dúvida de que o pós-modernismo é principalmente uma reação ao modernismo cultural. Seu ecletismo constitui uma aceitação da tradição, ou pelo menos de tradições, e não, como acontece como modernismo, uma rejeição desafiadora das mesmas. Em vez da “tradição do novo”, há uma “combinação de muitas tradições”, “uma notável síntese de tradições”. “O pós-modernismo é em essência a eclética mistura de qualquer tradição com a do passado imediato: é tanto uma continuação do modernismo quanto sua transcendência.” (Jencks)
O modernismo mantém um relacionamento complexo com a modernidade. Alguns de seus aspectos, como no dadaísmo e no surrealismo, parecem negar traços fundamentais da modernidade e antecipar-se ao pós-modernismo. Este se caracterizava pelo ecletismo e pluralismo, aquela divertida mistura e combinação de tradições. A era pós-moderna assinalava uma ruptura com a “era moderna” clássica, que durava aproximadamente da renascença até fins do século XIX. Em contraste com a crença no progresso e na razão da era moderna, a era pós-moderna caracterizava-se pelas crenças e sentimentos de irracionalidade, indeterminação e anarquia. Essas características estavam ligadas ao advento da “sociedade de massa” e da “cultura de massa” em nossa época. Para os defensores do modernismo, o pós-modernismo era uma capitulação ao kitch e ao comercialismo. Em seu populismo declarado, repudiava a austeridade e a integridade, a luta pelo objeto estético por si mesmo, que havia sido característica do alto modernismo. Outros autores viam no “antinomianismo” e “antiintelectualismo” do pós-modernismo, no seu hedonismo sem reservas, uma ameaça aos valores da cultura humanista, que havia mantido até então sob controle as correntes potencialmente desintegradoras da modernidade. O mundo dos novos movimentos não era simplesmente pós-modernista, mas também pós-freudiano, pós-humanista, pós-protestante, pós-branco, pós-macho, além de vários outros pós. Ihab Hassan via no modernismo o princípio da autoridade e, no pós-modernismo, o da anarquia. Esse último implicava a tendência para a indeterminação, um composto de pluralismo, ecletismo, aleatoriedade e revolta. O caráter antinomiano, anárquico, anti-sistêmico do pós-modernismo parece compatível com a forma e o espírito de muito do que entendemos como modernismo, em especial aquele seu aspecto associado à teoria e prática da avant-garde. Se escolhermos algumas correntes modernistas, poderemos descrever razoavelmente o pós-modernismo como uma reação contra a racionalidade e a funcionalidade tipicamente modernas de ambos. Martei Calinescu argumenta que o “antielitismo, o antiautoritarismo, a gratuidade, a anarquia e, por fim, o niilismo” estão claramente implícitos na doutrina dadaísta da “antiarte pela antiarte”.
Depois de perder seu élan revolucionário, o modernismo assume a sua forma pós-modernista, cuja essência (para Jean-François Lyotard) era a experimentação, a rejeição do conforto e do consolo do realismo e da arte representativa. O pós-modernismo representa a ruptura interminável com o passado, por mais radical que este tenha sido em sua própria época; é o que dá ao modernismo o seu significado. Ele não repudiava nem imitava o passado; recuperava-o e expandia-o para enriquecer o presente. Teóricos falaram da síntese ou hibridização do velho e do novo, a negação dialética do passado e seu aproveitamento em um novo plano pós-modernista que aceitava a presença do passado. O modernismo é para Frank Kermode uma questão de opostos que se reconciliam. O paleomodernismo cultivava o oculto; o neomodernismo negava-o; o modernismo inicial tendeu para o fascismo, o modernismo posterior para o anarquismo.
A cultura pós-moderna estaria ligada a alguma nova forma de sociedade, sendo pós-industrial o conceito geralmente preferido. O pós-moderno seria então para o pós-industrial o que a cultura é para a sociedade. O pós-modernismo é a cultura da sociedade pós-industrial. Uma variante mais sofisticada, de procedência mais diretamente sociológica, não raro marxista, consiste em considerar o pós-modernismo a face cultural do capitalismo em seus estágios mais desenvolvidos. Para Daniel Bell ele é um simples prolongamento do modernismo, uma parte da cultura do capitalismo na era do consumo de massa. Ele pode ser para a sociedade pós-industrial ou do capitalismo tardio o que o modernismo é para a sociedade industrial em sua fase moderna ou classicamente capitalista. O modernismo foi em geral uma reação cultural às principais correntes da modernidade. Em algumas de suas formas, teve o caráter de uma rejeição apaixonada. O mesmo não se pode dizer, contudo, da relação entre pós-modernismo e sociedade pós-industrial. Cultura e sociedade apenas na aparência são tratadas separadamente. Na realidade, elas se fundem uma na outra. A condição pós-moderna de Lyotard baseia-se na visão da sociedade na qual o conhecimento tornou-se a principal força de produção e a “computadorização da sociedade” é considerada como a realidade subjacente. “O pós-modernismo não é o elemento cultural dominante de uma ordem social inteiramente nova, mas apenas o reflexo e o concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo.” Fredric Jameson ainda afirma que a cultura tornou-se um “produto por direito próprio”, o processo de consumo cultural não é mais simplesmente uma apêndice, mas a própria essência do funcionamento capitalista. No mínimo na fase do capitalismo tardio, ou pós-modernista, os dois termos (cultural e econômico) se fundem novamente e dizem a mesma coisa, em um eclipse da diferença entre a base e a superestrutura.
O pós-modernismo será interpretado como a cultura da sociedade pós-industrial. Mas Scott Lash fala em uma relação de compatibilidade ou de afinidade eletiva entre cultura pós-moderna e sociedade capitalista contemporânea. O capitalismo desorganizado inclui a maioria dos aspectos que examinamos antes sob os títulos de pós-fordismo e sociedade de informação. A nova burguesia pós-industrial disputa a primazia na sociedade com a velha burguesia do capitalismo organizado. Cultiva e promove sua própria cultura, a cultura do pós-modernismo, que não faz distinção entre elite e massa, entre alta e baixa.
Formas culturais modernistas dependeriam de um processo de diferenciação: o cultural do social, o estético do teórico (ou científico), o sagrado do secular, a ciência da religião. O pós-modernismo inverte essa situação. É resultado de um processo contínuo de dês-diferenciação, cujas ordens são encontradas nas mudanças sociais e culturais das décadas de 1950 e 1960. As distinções sociais, da forma exibida nas alegações da nova classe média, dependem cada vez mais não do poder econômico ou político, mas da exibição de símbolos culturais. A cultura, longe de manter sua distância ou ser apenas compatível com a sociedade capitalista pós-industrial, parece ter praticamente tomado conta da sociedade. Lash diz que o modernismo problematizou e desestabilizou a representação da realidade, ao passo que o pós-modernismo problematiza e desestabiliza a própria realidade. Ele introduz o caos, a inconsciência, a instabilidade em nossa experiência da própria realidade.
Parece que de fato estamos numa era na qual a cultura assumiu um poder extraordinário na vida social. Se essa situação está levando ou não a um novo tipo de sociedade, a uma sociedade pós-moderna, é algo ainda a ser verificado. Mas se quisermos estudar seriamente essas alegações, o melhor modelo pareceria ser algo que poderíamos chamar de antropológico. Falemos ou não de cultura pós-moderna, sociedade pós-moderna, devemos supor que estamos tratando de uma maneira completa de pensar, sentir e agir: de cultura, como os antropólogos entendem geralmente a palavra. O pós-modernismo aparece como um atributo de todos os aspectos da sociedade, e parece imprudente, pelo menos de início, privilegiar uma parte como causa ou determinante.
A maioria dos teóricos afirma que as sociedades contemporâneas demonstram em novo ou reforçado grau de fragmentação, pluralismo e individualismo. As instituições e práticas típicas da nação-estado são correspondentemente debilitadas. Os partidos políticos de massa cedem lugar a novos movimentos sociais. As identidades coletivas de classe e experiências compartilhadas de trabalho dissolvem-se em formas mais pluralizadas e específicas. A idéia de uma cultura e de uma identidade nacionais é atacada em nome de culturas minoritárias (as culturas de grupos étnicos, de seitas religiosas e comunidades específicas, baseadas em idade, sexo ou sexualidade. O pós-modernismo destaca sociedades multiculturais e multiétnicas. Promove a política da diferença. A identidade não é unitária nem essencial, mas fluida e mutável, alimentada por fontes múltiplas e assumindo formas múltiplas. A sociedade pós-moderna é, portanto, bem congruente, se não idêntica à sociedade pós-fordista, à sociedade de informação e ao capitalismo tardio ou desorganizado encontrado em algumas teorias. O que torna o pós-modernismo tão diferente como enfoque é que ele transcende esses aspectos conhecidos para fazer alegações abrangentes e sobre a própria natureza da sociedade e da realidade objetiva. Faz afirmações não só sobre a nova sociedade ou a realidade social, mas sobre nossa maneira de compreender a própria realidade.
Na situação que Jean Baudrillard chama de “êxtase da comunicação”, o mundo torna-se puramente um mundo de simulação. A geração através de modelos, de um real sem origem ou realidade: um hiper-real. Na hiper-realidade não é mais possível distinguir o imaginário do real, nem o signo de seu referente, e ainda menos o verdadeiro do falso. Umberto Eco diz que “a imaginação americana exige a coisa real e, para consegui-la, tem que fabricar o falso absoluto. A Disneylândia é a apoteose do hiper-real, ao mesmo tempo absolutamente realista e absolutamente fantástica, de um mundo de fantasia mais real do que a própria realidade. O estado de hiper-realidade significa não só a dissolução da realidade objetiva, de algo que existe e ao qual se referem os signos e as imagens. Significa também a dissolução do sujeito humano, o ego individual que a modernidade julgou ser o pensador autônomo e o ator no mundo. O fenômeno do hiper-real é ilegitimamente expandido para incorporar a totalidade da vida social.
Para Michel Foucault não é o homem, o sujeito conhecedor que deve ser o fundamento das ciências humanas. O que precisa ser estudado são as práticas discursivas das ciências humanas, que constituem e constroem o homem.
Não é difícil ligar pós-estruturalismo e desconstrucionismo à teoria social da pós-modernidade. Eles aceitam a ênfase geral da fragmentação e pluralismo e na ausência de qualquer força centralizadora ou totalizadora, que constitui um aspecto característico de todas as teorias de pós-modernidade. A dissolução desconstrucionista do sujeito tem paralelo – seja como causa ou efeito – na dissolução pós-moderna do social: não no sentido de negar a sociedade como tal, mas em negar-lhe poder como coletividade corporificada. A democracia tem de se adaptar a esse pluralismo irredutível – abandonando a idéia de política consensual, no mínimo, ou a opinião de que o Estado nacional soberano é a única arena da política. No seu ceticismo radical, na ânsia em desconstruir e dissolver tudo, no seu caráter fundamentalmente antimessiânico e antiutópico, o pós-estruturalismo liga-se diretamente a um dos dogmas centrais da pós-modernidade, a incredulidade diante das metanarrativas. Este é um dos atributos mais conhecidos e em geral mais aceitos da teoria pós-moderna, que unifica aquilo que, de outra maneira, seria uma série irremediavelmente difusa e dispersa de proposições.
Com menos clareza e também com menos otimismo, há pensadores que definem a condição pós-moderna como ainda presa a um princípio industrial predominantemente moderno de desempenho. Eles não hesitam em falar na sociedade pós-industrial e na pós-modernização das economias políticas contemporâneas. Eles indicam o crescimento de um alto grau de reflexividade, ou autoconsciência, entre as populações das sociedades industriais contemporâneas, a um ponto em que ela está criando novas possibilidades de relações sociais em uma larga variedade de esferas – em relações íntimas, amizade, trabalho, lazer e consumo.
É uma provocação perigosa ser pós-modernista, pelo menos nos círculos acadêmicos. Há muito mais livros e artigos dizendo-nos o que está errado com a teoria pós-moderna do que declarações ao seu favor – ou mesmo, aliás, dizendo-nos claramente o que ela é. O pós de pós-modernidade refere-se não tanto a um novo período ou sociedade chegando após a modernidade quanto à opinião sobre a modernidade possível após o término da modernidade – ou, pelo menos, quanto dela poderia ser completada em seus próprios termos. A pós-modernidade significa que a modernidade pode ser agora examinada como num espelho retrovisor.
A condição pós-moderna é modernidade emancipada de falsa consciência. Em especial, os intelectuais compreendem agora que seu papel não pode ser o de estabelecer regras e padrões absolutos para a sociedade, de acordo com alguma idéia sobre princípios universais de verdade e razão. O pós-modernismo é uma oportunidade, uma abertura para novas possibilidades que sempre estiveram latentes ou eram inerentes à modernidade. Ele expressa uma crise no modernismo, mas não significa o seu fim nem o fim da modernidade. Pelo contrário, ele lançou uma nova luz sobre o modernismo e apropriou-se de suas técnicas e estratégias para suas próprias finalidades.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
DA SOCIEDADE PÓS- INDUSTRIAL À PÓS- MODERNA – MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE I – A IDÉIA DO MODERNO – K. KUMAR
O pós-modernismo é definitivamente um “conceito de contrastes”. Tira seu significado de tudo que exclui ou alega substituir, quanto do que inclui ou afirma como positivo. E o fim da modernidade é a ocasião de refletir sobre a experiência da modernidade; a pós-modernidade é esse estado de reflexão. A fim de compreender e examinar o pós-moderno, temos, em primeiro lugar, de compreender o significado do moderno.
“Modernidade” é a abrangência de todas as mudanças – intelectuais, sociais e políticas – que criaram o mundo moderno. “Modernismo” é um movimento cultural que surgiu no ocidente no fim do século XIX, como uma reação crítica a essas mudanças, ou seja, à modernidade. O mundo antigo era pagão, o moderno, cristão. Isto é, o primeiro estivera envolvido nas trevas, o último fora transformado pelo aparecimento de Deus no meio dos homens sob a forma de seu filho, Jesus Cristo e assim, pela primeira vez se atribuiu um significado à história. O cristianismo usando a herança messiânica judaica infundiu significado e finalidade no tempo ao concentrar em um evento (irrepetível e incomparável), ao qual deu importância única: a vinda de Cristo. O aparecimento de Cristo revelara o segredo da história, oculta aos antigos. Os fatos narrados na Bíblia, da criação até a Encarnação, e sua promessa e profecia de uma futura consumação no Segundo Advento e Juízo Final, contam uma história de pecado e redenção que ocorre no tempo. Toda criação é criação de Deus e está sujeita à Sua vontade. Mas Ele resolveu enviar seu filho aos homens e, dessa maneira, injetou na história humana um valor indescritivelmente mais alto que qualquer outro no mundo não-humano. O cristianismo conta uma história com um começo, um meio e um fim – e insiste nessa ordem necessária de eventos. Simultaneamente, inverte a cronologia e interpreta a história de frente pra trás, a partir de seu ponto final. É orientada para o futuro. Satura o presente com um senso de expectativa, criando uma tensão permanente entre o presente e o futuro. Durante mais de um milênio (toda a Idade Média), a “modernidade” exibiu em relação ao presente e ao futuro uma indiferença que chegava ao desprezo, o que era um contraste surpreendente com a reorientação radical em relação ao tempo, implícita na filosofia cristã da história. Nos casos e ocasiões em que o milenarismo floresceu na Idade Média, os crentes, na verdade, forçosamente teriam que sentir que seu próprio tempo estava investido de uma significação especial, e agir de acordo com isso.
Não é difícil entender como, a despeito da concepção radicalmente diferente de tempo introduzida pelo cristianismo, essa interpretação bastante aceita da relação entre tempo sagrado e secular poderia culminar em uma visão de tempo terreno não muito diferente da que era aceita pelos antigos. A novidade era equiparada a trivialidade e a coisa ainda pior. Refletia exatamente a superficialidade da ordem terrena, em comparação com a divina. No mundo medieval, a originalidade de pensamento de nada valia e o plágio não era considerado como pecado. Foi a Renascença, na verdade, que pela primeira vez dividiu a história ocidental em três épocas – a Antiga, a Medieval e a Moderna. Atribui-se a Petrarca, “o pai do humanismo”, a invenção, no século XIV, a idéia da “Idade das Trevas”. O “renascimento” da Renascença foi a recuperação de formas mais antigas, do pensamento e dos costumes do mundo clássico. Mas houve também outra conseqüência da adoração do mundo clássico pela Renascença. Ela trouxe para primeiro plano o interesse pela história secular, em contraste com a história sagrada, que dominara o pensamento medieval. Os novos tempos de fato representavam um rompimento com a estagnação da Idade Média, mas esta revolução foi concebida de acordo com o modelo dos antigos, como o movimento de uma roda ou círculo que volta à origem. Mas há um sentido, no qual, pelo menos indiretamente, a Renascença de fato contribuiu para nosso conceito de modernidade. O próprio vigor e vitalidade da vida na Renascença deram aos europeus uma nova confiança em sua capacidade de, pelo menos, imitar os antigos, se não ultrapassá-los. Durante todo o séc. XVII e a maior parte do séc. XVIII persistiu a idéia de que decadência e degeneração eram partes tão integrantes da história humana como o crescimento e o progresso. Idéias clássicas e cristãs de tempo e história continuaram a dominar a mente ocidental até a segunda metade do séc. XVIII. Enquanto persistisse essa situação não poderia haver um autêntico conceito de modernidade.
“A humanidade é tão igual, em todos os tempos e lugares, que a história não nos informa coisa alguma de novo ou estranho neste aspecto. Seu principal uso consiste em descobrir os princípios constantes e universais da natureza humana.” (David Hume)
Kant chama de “terrorismo moral” do cristianismo, a expectativa apocalíptica do fim do mundo, e tinha que ser exorcizado. Juntamente com Turgot, Condorcet e outros teóricos do séc. XVIII concebeu a idéia de progresso, a base da nova idéia de modernidade. As divisões convencionais de Antiga, Medieval e Moderna foram elevadas à categoria de “estágios” da história mundial e estes, por sua vez, aplicados a um modelo evolucionário da humanidade, que concebeu especial urgência e importância ao estágio mais recente, o moderno. Modernidade significava rompimento completo com o passado, um novo começo baseado em princípios radicalmente novos. O ingresso em um tempo futuro expandido de forma infinita, um tempo para progressos sem precedentes na evolução da humanidade. O passado nada mais era do que a preparação para o presente.
A Revolução Francesa de 1789 foi a primeira revolução moderna. Ela transformou o conceito de revolução. Tornou-se comum dizer que ela levara o mundo para uma nova era da história. Marcou o nascimento – isto é, de uma época que está em constante formação e reformação diante de nossos olhos. A modernidade não é produto dessa revolução, mas é em si, basicamente revolucionária, uma revolução permanente de idéias e instituições. Para os filósofos da modernidade essa revolução foi uma das principais expressões, como também um dos principais veículos, da nova consciência. Ela anunciou o objetivo do período moderno como obtenção de liberdade sob a orientação da razão. Se a Revolução Francesa deu à modernidade sua forma e consciência características – uma revolução baseada na razão –, a Revolução Industrial forneceu-lhe a substância material.
Alguns pensadores, especialmente Hegel, transformaram a religião cristã em filosofia secular de história. A história, segundo eles, é um processo de revelação progressiva e auto-realização do espírito humano. “Não teria havido revoluções e constituições americanas, francesa e russa sem a idéia de progresso, e nenhuma idéia de progresso secular para a realização do homem sem a fé inicial em um Reino de Deus.” (Karl Löwith)
Assim, a modernidade é tanto uma questão de idéias e atitudes quanto de técnicas. Além disso, na medida em que se relaciona com o capitalismo, e não com o industrialismo em sentido mais estreito, a associação entre modernidade e as formas de vida econômica teria, mais uma vez, que remontar ao séc. XVI e ao sistema de capitalismo comercial que surgiu nessa época. A modernidade possui um aspecto de antes-e-depois que é também uma marca característica das revoluções. Com a Revolução Industrial, esse aspecto tornou-se cada vez mais evidente para os seus contemporâneos, na medida em que, para muitos deles, a única divisão importante na história humana parecia ser a que havia entre as civilizações pré-industrial e industrial. O industrialismo transformou sociedades ainda na maior parte pobres e agrárias em centros concentrados de poder, cujas mercadorias, canhões e navios esmagaram a resistência de todos os povos não-industriais. A estreita associação entre modernidade e industrialismo é uma razão por que há hoje pensadores que proclamam o fim da modernidade. O industrialismo pelo menos da forma convencionalmente entendida, parece ter-se esgotado, ter chegado a seus limites, posto que não é simplesmente tecnologia em grande escala ou crescimento econômico, ou mesmo ciência aplicada em geral.
Não foi a vigor da Alta Idade Média, nem na explosão criativa da Renascença, tampouco na Revolução Científica do séc. XVII, mas sim na Idade da Razão, na segunda metade do séc. XVIII que nasceu a idéia de modernidade. Sem dúvida é possível argumentar que a cultura da modernidade foi, desde o início, subversiva para a idéia de modernidade. Daniel Bell vê uma separação radical entre “racionalidade funcional” da “ordem tecno-econômica” da sociedade moderna e o impulso anárquico e hedonista para a “individuação e auto-realização”, que constitui o princípio de sua cultura.
Para Baudelaire, modernidade é essencialmente uma categoria estética, e não histórica. Todas as eras têm sua “modernidade”. Ele diz que “houve uma forma de modernidade para todo pintor do passado.” Todos os artistas, em todos os tempos, têm que procurar representar o moderno, a aparência e o sentimento específicos de sua própria época. Todo artista tem que incorporar à sua obra o “elemento transitório, efêmero” ou então arriscar-se a cair “no vazio de uma beleza abstrata e indefinível”. Para Berman, o conceito de Baudelaire “esvazia a idéia de modernidade de todo o seu peso específico, de seu conteúdo histórico particular. Torna cada um e todos os tempos ‘tempos modernos’ e, ironicamente, ao espalhar a modernidade por toda a história, leva-nos para longe das características específicas de nossa história moderna”.
Para Matthew Arnold a sociedade é moderna quando tolerante, racional, crítica e possuidora de um número suficiente das convenções da vida para permitir o desenvolvimento do bom gosto. Ele pensava em impor as qualidades desse conceito à sociedade e à cultura de seus próprios dias. Mas o que ele não fez, e que seu conceito não nos permite fazer, é identificar o moderno com a “era moderna”, isto é, com as características específicas do período histórico que surgiu mais recentemente.
A ambivalência de Baudelaire em relação ao moderno – o que Berman chama de suas imagens “pastorais” e “antipastorais” da modernidade – mais aumenta do que diminui sua importância na teoria da modernidade. Marx impressionou-se com o paradoxo de que “em nossos dias, tudo parece conter em si o seu oposto”; progresso material lado a lado com empobrecimento espiritual, conhecimento científico acompanhado de ignorância em massa, conquista da natureza seguida de escravidão de seres humanos. Lionel Trilling chamou a atenção para a mutabilidade do conceito de moderno; sua fluidez é tanta, na verdade, que pode dar uma volta completa em significado até ficar virada para a direção oposta. O modernismo pode também ser visto como um romantismo tardio. Mas vai tão mais longe em seu ataque à modernidade que temos o direito de considerá-lo algo quase qualitativamente diferente. Há uma abrangência em sua rejeição maciça de todos os ídolos da modernidade que assinala algo novo. Em tom e maneira, observamos uma nova seriedade e ferocidade, um desejo selvagem e deliberado de escarnecer e ofender. Não foi somente nas artes que as tendências modernistas fincaram raízes. Em todo o reino do pensamento filosófico, psicológico, social e político podia-se ouvir o chão tremendo e rachando. As correntes dominantes do racionalismo, positivismo e utilitarismo foram atacadas. Freud colocou um gigantesco ponto de interrogação em seguida à idéia moderna de progresso. A civilização moderna foi construída ao custo de enorme sofrimento psíquico e de debilitamento.
De modo geral, é correto salientar que o modernismo não constituiu uma simples rejeição da modernidade, mas sim, uma reação, uma resposta à mesma. A acusação feita, neste caso, era que a sociedade moderna não era moderna o bastante. Era “falsamente” moderna, cautelosa demais, covarde demais, para aceitar todas as implicações da modernidade. A modernidade, que fora definida como um “rompimento com a tradição”, tornou-se em si uma tradição, a “tradição do novo”. Sob a força do modernismo, a modernidade veio a tornar-se nada mais do que inovação sem fim: mudanças intermináveis de estilo, ciclos intermináveis de modas.
sábado, 18 de dezembro de 2010
CIÊNCIA E SOCIEDADE NA EVOLUÇÃO DO BRASIL – FLORESTAN FERNANDES – A SOCIOLOGIA NO BRASIL
Atividades inerentes à pesquisa fundamental e à elaboração ou à transmissão de conhecimentos científicos exigem certas condições histórico-culturais e sociais. Nas sociedades em que florescem o saber racional e que apresentam estruturas diferenciadas, cuja divisão do trabalho e dos papéis ocorre de forma mais acentuada, concentram nas mãos de alguns indivíduos toda atividade criadora na explicação da origem e da composição do mundo. Ao associar essas atividades com as concepções secularizadas da existência da natureza humana e do funcionamento das instituições, ou quando o acesso aos papéis de produção intelectuais se torna aberto, deixando de ser prerrogativa de determinadas castas, estamentos ou círculos sociais, ou ainda quando estilos divergentes de pensamento passam a disputar o reconhecimento público de sua legitimidade ou validade – o saber racional assume a forma de saber positivo ou científico. Na investigação positiva do objeto procura-se um critério para a descoberta da verdade e um instrumento para selecionar os conhecimentos considerados verdadeiros, reelaborá-los ordenadamente em um sistema de saber positivo e aplicá-los nas esferas em que se tomem decisões de significação vital para a coletividade. No período colonial, que compreende os desenvolvimentos políticos do país do séc. XVI ao começo do séc. XIX, os papéis proporcionais intelectuais, ligados com o saber racional, foram quase monopolizados pelo clero. É interessante notar que foi o catolicismo, como religião letrada e institucionalizada, que transplantou para o Brasil um tipo de saber que não encontrava fundamentos na ordem social existente. O saber racional não possuía outro fundamento que o que derivava da própria natureza e do modo de organização da vida religiosa. As questões que a escravidão criava, na esfera da vida religiosa, eram resolvidas em instâncias superiores, fora da organização eclesiástica colonial. Segundo, o que era bem mais importante, a Igreja fazia parte e era solidária com os empreendimentos colonizadores do Reino. Apesar de contribuir para a transplantação de um tipo de saber que não encontrava condições culturais propícias na ordem social existente, o clero deixou de incutir aos papéis intelectuais, inerentes à atividade sacerdotal, qualquer dinamismo interno, intelectualmente criador. A partir do primeiro decênio do século XIX surgem as primeiras pressões no sentido de adestrar um setor maior da população para o exercício de tarefas administrativas e políticas ou para enfrentar necessidades que emergem com a expansão econômica e com o crescimento demográfico. Em menos de 100 anos, a sociedade brasileira passou precipitadamente, por transformações que realizaram algures (em países como França ou a Inglaterra), com relativa lentidão, entre a desintegração da sociedade medieval e a revolução industrial. Na Europa, os processos de desenvolvimento do pensamento, da economia e da sociedade podem ser interpretados como processos interdependentes. É visível a ligação do pensamento com a solução de problemas que se colocaram no plano da ação política ou da transformação econômica. No Brasil essa ligação não é perceptível com a mesma clareza, devido ao fato do saber racional utilizado não se ter constituído e desenvolvido como produto das exigências da situação histórico-social. Vários fatores concorriam para restringir os núcleos de criação intelectual espontânea na sociedade brasileira do século XIX. Em primeiro lugar, o principal foco de interesse da aristocracia brasileira, em face do ensino superior, se dirigia para a formação de uma elite capaz de exercer as funções públicas, de natureza política ou administrativa. Em segundo lugar, como conseqüência, só no campo de atividade do bacharel os papéis intelectuais acabaram ligando criadoramente o pensamento racional com a solução de problemas emergentes na esfera da ação (fosse ela política, administrativa ou privada). Na verdade, o bacharel se transformou em agente e prolongamento do senhor rural no mundo urbano da corte ou das capitais das províncias. Quando não era seu filho ou neto, era seu dependente, conformando-se com a ordem moral associada à escravidão, ao latifúndio e à monocultura. Em terceiro lugar, na própria organização estratificada da sociedade havia fatores que isolavam as camadas sociais e tornavam infrutíferos os contatos ou a comunicação entre portadores de concepções diferentes do mundo. Em quarto lugar, a escravidão excluía do campo de influência criadora todos os papéis sociais que se relacionassem com o ‘trabalho servil’ e com as ‘profissões mecânicas’. Em um país agrícola, cujo progresso econômico se subornava à capacidade de organizar e de expandir a produção rural, o prestígio do fazendeiro não provinha de sua competência técnica, mas da situação dele como proprietário rural, como senhor de escravos e, eventualmente, como chefe político e como bacharel. Por fim, em quinto lugar, os valores e os ideais da camada dominante limitavam o horizonte intelectual dos que estavam em condições de tomar decisões e de influir pessoalmente na arena política. Os fatores descritivos sugerem que o desenvolvimento institucional da sociedade brasileira, durante o século XIX, foi insuficiente para criar as condições que são indispensáveis à formação de um saber racional autônomo, capaz de evoluir como esfera especializada de atividades intelectuais. O próprio ensino superior se constituíra, rapidamente, em uma maneira de organizar essa relação de dependência cultural diante dos países europeus. O meio social ambiente não desencadeava forças culturais suficientemente fortes para estimular um novo estilo de pensamento ou para incentivar a transformação homogênea das escolas superiores em centros de pesquisa original. O elemento mais exposto e inconsciente da ordem moral associada à sociedade senhorial era, certamente, a escravidão. No período em que se iniciam os antagonismos da cidade com o campo e da burguesia dependente, em formação, com a aristocracia rural, dominante, esse elemento foi escolhido como o alvo central e o ponto de apoio estratégico dos movimentos de reconstrução social. É sob este prisma que o abolicionismo representou a primeira revolução social por que passou a sociedade brasileira. É nesse período de mudança estrutural, na transição para o século XX e no decorrer de sua primeira metade, que se elabora na sociedade brasileira, um clima de vida intelectual que possui pontos de contato e certas similaridades reais com o desenvolvimento do saber racional na Europa. O drama que o Brasil compartilha com outras nações subdesenvolvidas consiste na disposição insuficiente de recursos racionais de pensamento e de ação. A magia de origem folclórica continua a existir e a ser praticada, crenças religiosas ou mágico-religiosas, encontram no campo propício para desenvolvimento graças às inseguranças subjetivas, desencadeadas pelas incertezas morais e ficções sociais do mundo urbano.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
A DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL - SOLIDARIEDADE MECÂNICA E SOLIDARIEDADE ORGÂNICA - ÉMILE DURKHEIM
A discussão desta teoria foca-se no papel que os agrupamentos profissionais estão destinados a preencher na organização social dos povos contemporâneos. O que se tem como claro, é que Durkheim procura alertar para a anomia em que vivem muitos destes atores sociais, médicos, advogados, engenheiros, etc. na ordem econômica e social, e a crise da moralidade existente entre estas associações. Este desinteresse pela ordem pública muito se deve pelo fato de seres humanos em geral não responderem por outros interesses senão os seus. A sociedade repousa sobre um estado de opinião e para que a anomia se apague um grupo que tenha opiniões próprias tem que ser constituído fundamentado nas regras que fazem falta. Também a igreja tinha a função de minimizar os conflitos (com a cidade e com a família), com a formação das paróquias. E toda disciplina moral acabava por ser de comum acordo e configurar-se em forma religiosa. O problema maior centra-se no fato de que os grupos têm mais força do que as ações individuais. Desta forma, o egoísmo de alguns, fica atenuado, e as relações sangüíneas menos importantes diante da dimensão de determinados problemas.
Os elos entre as relações de vizinhança se perderam e entende-se que há um grande vazio entre as instituições, mesmo porque não é certo afirmar que a organização é um tipo de panacéia que possa servir para tudo. A relação mais forte da teoria está centrada na forma como os bens se tornam disponíveis pela morte do agente e são transferidos aos seus sucessores. Se esta relação é verdadeira, a nível individual, da mesma forma há que se admitir que as funções do estado devam igualmente ser supridas, da mesma forma a empresa.
No capítulo II coloca-se a questão da solidariedade mecânica ou por similitude. E nesta busca, lembra-se que a quebra do elo de solidariedade significa a existência do crime. E para Durkheim o crime deve estar previsto na lei. Quem não incorrer na violação da lei, não estará suscetível às penalidades que este ato representa na esfera da hermenêutica criminal.
Para ele “crime é todo ato, que em qualquer grau, determina contra seu autor, esta reação característica chamada pena”. Interessante a concepção ressaltada, na interpretação do biólogo sobre os fatos da vida, porque todos suscitam por interpretação. Assim ao entender as relações entre os diferentes níveis da vida do planeta, na admissão da existência de seres unicelulares, chamados monocelulares por ele, tem-se como extensão, a incumbência de admitir os pluricelulares, e estudar suas relações em nível de complexidade e significância em termos destas relações na possibilidade de se estabelecer uma perspectiva organizacional que permita entender de que forma os seres hierarquicamente superiores podem se perceber ameaçados por seres menores e com poder tão evidente quanto os mesmos.
Um dos maiores crimes seria o que atenta contra a vida, que segundo mestres da Academia de Direito freqüentada pelo autor, é um bem indisponível, inalienável e intransferível, ou seja, restringe de legalidade a estas cláusulas norteadoras qualquer conduta que atente contra elas. Mas, a desorganização social que promove a desestruturação dos sujeitos de direitos e obrigações preestabelecidas é da mesma forma constituinte de uma violência bem maior, pela prepotência de muitos governos em incutir procedimentos que teoricamente elevam cidadãos a pensar em como podem de alguma forma não criminosa satisfazer suas necessidades. Há em verdade, muitos procedimentos de luta de classes que são revestidos de legalidade, e que em verdade, são desatados de qualquer responsabilidade em termos de resultados efetivos, levando muitas vezes os mesmos aos graus elevados de insustentabilidade pela fragilidade das relações de emprego e justa remuneração. Mas como quer explicar Durkheim há algo que fere muito mais a dignidade humana do que alguns crimes considerados não suscetíveis de punibilidade porque a sociedade simplesmente fecha os olhos para eles. Acredita-se que este reconhecimento está intimamente relacionado com o resultado que provoca no comportamento social (consciência coletiva).
A sociedade é a soma das consciências individuais. Confirma-se esta premissa no ensinamento de Durkheim, visto que é preciso estabelecer qual efetivamente é o grau de importância das atitudes individuais sobre o coletivo, e igualmente a forma de interpretar estas relações. E assim se estabelece o dever de reparação, ou de punição com a privação da liberdade. Muitas vezes por poder e influência dos juristas e magistrados, os crimes que resvalam nos ditames da lei penal, acabam sendo resolvidos com a reparação, ou seja, a pecúnia, ou paga pela violação causada pelo agente. Cabe ao Estado tutelar os crimes que atentam contra a vida unicamente. A vingança é um termo bastante interessante quando a consideramos como resposta a certas atitudes cometidas em sociedade. Admite Durkheim que é um ato de defesa, e não é de todo dotada de aspecto negativo e estéril. Discute igualmente se uma pessoa que tenha antecedentes criminais violentos não teria outra forma de ser corrigida senão pela privação total da liberdade. Em verdade, a pessoa nestas condições será acompanhada da vergonha como condição. Deixar os cidadãos na impunidade pelos atos que praticam contra o corpo social é, no entanto, uma arbitrariedade ainda maior, se reconhecemos no Estado, aquele a quem cabe dar resposta a estes atentados.
A pena consiste essencialmente numa reação passional, de intensidade gradual, que a sociedade exerce por intermédio de um corpo constituído, sobre aqueles de seus membros que tenham violado certas normas de conduta. É importante ressaltar que a lei deve ser aplicada contra todos os que a violarem de maneira objetiva e direta, independente de seus agentes serem de elite ou não. Adverte Durkheim que é em nós apenas que reside o sentimento de vingança. O erro é superior ao indivíduo. Assim, qualquer pessoa poderia visualizar um erro, mas desconhece a profundidade da forma como violou as emoções da vítima. Durkheim chama de atitude mística, qual seja o poder de resgatar sensações através do sentimento da dor e só assume a sua falta na atitude coletiva e socialmente aceita desta condição.
No capítulo III, coloca-se a solidariedade orgânica ou devida à divisão do trabalho que é a solidariedade que está intimamente relacionada com o direito. Aqui se coloca o princípio da sucumbência, qual seja o pagamento das custas por processo que tenha a parte derrotada sido em verdade responsável em termos de gerar a expectativa de direito à outra parte. A sociedade está sempre atrás das relações contratuais dando sustentação aos acordos firmados entre as partes. No direito, temos a clara divisão dos bens que são reais – vinculados à propriedade, a hipoteca, e o segundo pessoal, que dá direito ao crédito. Admite Durkheim na extensão da interpretação do direito de propriedade, que inclui a literária, artística, industrial, mobiliária e imobiliária. Na sua tentativa de analisar relações, deixa claro que implicitamente está a solidariedade destas relações, na forma como se processam. Ainda esclarece que destas relações surgem igualmente obrigações que podem nascer de delitos ou não. A justiça seria uma missão fundamental e a caridade seu coroamento. Durkheim vale-se da família para explicar como a divisão do trabalho parece tão necessária e importante no contexto da vida dos lares. Estas relações de tarefas e distribuição de competências, quanto ao que cabe a cada um fazer, parecem encontrar fundamento nas relações de subordinação a que se submetem os membros pertencentes a uma organização.
Segundo Durkheim, há dois tipos de solidariedade: A primeira liga diretamente o indivíduo à sociedade sem nenhum intermediário. Na segunda, ele depende das partes que a compõem. Observa ainda que em sociedade onde as relações de solidariedade são muito intensas, os indivíduos não se pertencem e sim, são algo que simplesmente a sociedade dispõe. Sua relação finalística acerca de sua teoria, permite concluir que o fortalecimento individual das partes componentes de uma sociedade a partir dos indivíduos que a compõem, parece deixar mais forte todo o grupo, na medida em que cada um individualmente representa maior força entre seus agentes. Na sua natureza mais positiva, o homem não abre mão de si mesmo pelo outro, mas procura no outro aquilo que lhe falta, e desta incompletude há que se discernir ação solidária, ou egoísta, quando se sabe e se conhece a dimensão do excesso e com sabedoria, é possível administrá-lo de maneira menos discricionária de forma a obter o que se deve por direito e não ganhar sem vinculação de mérito. A questão reside na admissão de que o trabalho é a forma de garantir maior qualidade de vida, no entanto, a distribuição dos papéis é muitas vezes arbitrária e desvinculada de mérito, ou os meios pelos quais o poder se distribui, não vêm isolados do favoritismo dos governos e das relações abusivas de solidariedade entre famílias.
E por fim, Durkheim afirma, que entre os dois tipos de direito colocados, reais e pessoais, há uma mola propulsora de modificações que variam de acordo com as relações sociais que os regulam.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
O 18 BRUMÁRIO DE LUÍS BONAPARTE - KARL MARX
Publicado em 1952, o texto descreve um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio, o general estadista Napoleão Bonaparte, como imperador da França. A ironia de Marx está presente até no título do livro. Anos antes de se tornar imperador, o primeiro Napoleão também havia dado um golpe de Estado, em 9 de novembro de 1799, com o qual se tornou cônsul da França. No curioso calendário que o país havia adotado após a revolução de 1789, essa data correspondia ao dia 18 do mês de brumário. Ao chamar a obra de O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx indica que o golpe dado por Napoleão III era apenas uma cópia daquele que fora dado antes por seu célebre tio.
O que Marx fez de mais revolucionário, não foi olhar para essas “coincidências” históricas, mas perceber, analisando aqueles fatos que haviam acabado de acontecer, que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Ou seja, apesar de serem atores da história, as pessoas só são capazes de agir nos limites que a realidade impõe. Para Marx, o motor da história é a luta entre as classes sociais, responsável por produzir as transformações mais importantes. De um lado, estão sempre os dominadores. De outro, sempre os dominados. Os primeiros são os que detêm os “meios de produção” (terra, propriedade privada, máquinas, indústrias, etc.). Já os segundos são aqueles que só possuem a própria força de trabalho e que, para sobreviver, são forçados à servidão. Na Antiguidade, esse ponto tinha pertencido aos escravos. No feudalismo, aos servos. Já no capitalismo, essa classe é formada pelos trabalhadores assalariados – o chamado proletariado, que vende sua força de trabalho para a burguesia. A distribuição injusta de poses, observada por Marx, opunha burgueses e proletários.
Para muitos pensadores do século XIX, a Revolução Francesa era a grande referência, por ter marcado a posição da burguesia no grande jogo. Essa classe social já tinha sido revolucionária, quando seus interesses econômicos, que se expandiam pelo menos desde o fim da Idade Média, encontraram no parasitismo da nobreza um enorme empecilho. Ao derrubar a monarquia, a burguesia foi se transformando aos poucos, em toda a Europa e depois no resto do mundo, na nova classe dominante. Assim, deixou de ser revolucionária e se tornou conservadora, preocupada em manter a ordem vigente. Depois da ascensão da burguesia, o proletariado tomou o seu lugar como classe oprimida e, portanto, potencialmente revolucionária. Nessa nova situação, ficou ainda mais claro que todo processo de acumulação de riqueza exige, para se concretizar, uma usurpação. Para que existam ricos, é necessário que existam pobres – esse é, simplificadamente, o raciocínio que Marx aplica a toda a história.
Marx descreve toda a estratégia política, militar e institucional da burguesia francesa como um processo em que ela toma para si algo que, supostamente, deveria ser de todos: o Estado. Se Napoleão Bonaparte tinha imposto um Estado forte, imperial e expansionista, ele o fez não em benefício do povo, mas a serviço de uma só classe, a burguesia. Essa havia sido a “tragédia”. A “farsa” veio quando Luís Bonaparte, com um golpe de Estado, se transforma em Napoleão III. Para conseguir o poder, ele foi beneficiado por alianças entre partidos burgueses – o que, segundo descreve Marx, significou trair as lideranças proletárias e tirá-las do governo.
O 18 Brumário de Luís Bonaparte descreve a democracia como um imenso tabuleiro, em que os interesses de diferentes classes são manipulados sob o mecanismo de representação do povo por políticos – uma fórmula normalmente tida como justa. Depois de ler o livro, é difícil deixar de perceber que essa forma de governo, presente até hoje, oculta uma imensa engenharia de pequenos acordos. Olhando desse modo, as repúblicas modernas, aparentemente legítimas, serviriam apenas aos burgueses.
Entre 24 de fevereiro de 1848 a dezembro de 1851, a França passa por três fazes a destacar: 1. Período de Fevereiro (24/fev a 4/maio/1848); 2. Período da Constituição da República ou Assembléia Nacional Constituinte (1/maio/1848 a 28/maio/1849); 3. Período da República Constitucional ou Assembléia Nacional Legislativa (República Parlamentar). O objetivo inicial do primeiro período era o de uma reforma eleitoral que proporcionasse privilégios políticos aos membros da classe possuidora e derrubasse os privilégios tidos como exclusivos da aristocracia financeira. Tudo tinha um caráter provisório, com as seguintes características: efetiva incerteza e imperícia; aspirações mais entusiastas de inovação e um domínio mais arraigado da velha rotina; maior harmonia aparente em toda a sociedade e mais profunda discordância entre seus elementos. O segundo período ficou marcado pelas lutas travadas entre o proletariado e todas as outras classes sociais: república burguesa, aristocracia financeira, burguesia industrial, classe média, intelectuais, clero e população rural. Esse período firma o “Partido da Ordem”, congregado por todas as classes e partidos contra a classe operária, considerada anarquista, socialista e comunista.
A “Insurreição de Junho” é considerada o acontecimento de maior envergadura na história das guerras civis na Europa. Cerca de 3.000 insurretos foram massacrados e 15.000 foram deportados sem julgamento. O movimento perde força, por conta das vítimas dos tribunais e de figuras equivocadas que assumem a sua direção.
“Propriedade, Família, Religião e Ordem” são senhas e palavras de ordem da velha sociedade, que é salva sempre que se constrói o círculo de seus dominadores e um interesse exclusivo se impõe ao mais amplo. Toda reivindicação é castigada como um atentado à sociedade e estigmatizada como socialismo. Aos poucos os pontífices da “Religião e da Ordem” são arrancados do seu leito, seu templo é totalmente arrasado, sua lei é reduzida em nome da “Propriedade, Família, Religião e Ordem”. Finalmente, a ralé da Sociedade Burguesa constitui a “Sagrada Falange da Ordem Social” e Luís Bonaparte se instala como o “Salvador da Sociedade”. A França escapa do despotismo de uma classe apenas para cair sob o despotismo de um indivíduo sem autoridade.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO - ENSAIOS DA SOCIOLOGIA - MAX WEBER
A lei e a ordem jurídica existem na medida em que há um homem ou grupo que controlam a distribuição de poder e o cumprimento de suas normas. O poder, que é diferente de poder econômico, pode ser desejado em si mesmo. Poder é a possibilidade de que um homem ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação. Há outros interesses na disputa pelo poder, como honras sociais. O poder financeiro sozinho não tem ligação direita com essas honrarias. Não é certo que o poder dê honra. Muitas vezes, é a honra e o prestígio que concedem poder a pessoa. A normatização jurídica pode ser um “fator adicional” na busca de prestígio, mas não é um fator determinante. É pela ordem social que se regulam a distribuição de honra e prestígio numa sociedade. A ordem social e a econômica estão relacionadas, assim como a jurídica, mas a ordem social é a regulação de distribuição de bens e serviços econômicos. Classe, estamento e partido são formas de distribuição do poder (caráter deferente).
Classe como base de uma possível ação comunal. Compartilham a mesma “situação de classe” os indivíduos que têm parecidas oportunidades de vida; mesmo tipo de posse de bens e renda; ocupam semelhante espaço no mercado de trabalho e de produtos. Ou seja, “oferta típica de uma oferta de bens, condição de vida exterior, e experiências pessoais de vida, na medida em que são determinadas pelo poder ou não de uma determinada ordem econômica.” Teoria da utilidade marginal: os proprietários têm oportunidades de acesso a bens que os não-proprietários não têm, estão à margem. Aqueles têm monopólio da oportunidade de troca de bens, que eram fortuna e passam a ser bens de capital, numa função empresarial lucrativa. Essas categorias - proprietário e não proprietário - são determinantes na “situação de classe”. Há maior diferenciação pelo tipo de propriedade ou serviço: classe de empresários. O tipo de oportunidade no mercado é comum à sorte individual: a situação de classe é uma “situação de mercado”. (Weber) Quer dizer que a posse de bens e propriedade de produção não define a classe, porque a situação que importa para a definição de classe é as trocas e relações de mercado. Daí pode-se falar em luta de classes (quando há bens de capital a serem postos no mercado). Os escravos, não são classe, são estamento.
Para entender o conceito de interesse de classe, pode-se partir de interesses das pessoas participantes da situação de classe, ou pensar o interesse de classe como resultante de uma ação comunitária– a partir de uma certa situação de classe (por exemplo um sindicato). O surgimento da ação comunitária (relação de pertencimento/identidade com o grupo) ou uma ação societária (regulada racionalmente por normas) não é um fenômeno universal para uma situação de classe qualquer. Pode haver uma ação homogênea – ação de massa – ou nem isso, a partir de uma situação de classe. Depende de fatores culturais e intelectuais para que uma ação “de classe” ocorra. O conhecimento da sua oportunidade de vida resultante de sua situação de classe – propriedade e estrutura econômica– podem levar a uma ação de classe (irracional ou racional). O exemplo histórico do conhecimento mais evidente de propriedade ocorreu na Antiguidade e na Idade Média; e o de estrutura econômica do proletariado moderno.
Uma classe– que pode agir ou não– não é necessariamente uma comunidade. Pra compreender acontecimentos históricos é importante levar em conta as ações de massa que podem surgir referentes a interesses médios da classe. “Comunalização”. As possíveis situações de classe não são só para uma classe, pois a ação comunitária que exerce a classe é resultado de uma situação de mercado tal que mais classes a componham. A empresa capitalista é regulada pela ordem jurídica, em que há uma ação comunitária no sentido de manter a posse dos bens e dos meios de produção. Há uma primazia da propriedade em si no mercado, em relação a outras situações de classe. O estamento atrapalha a lei pura do mercado (depois vai analisar o estamento). A luta por que as classes passaram foi a do crédito de consumo (luta no mercado de produtos) preço no mercado de trabalho. Weber exemplifica com “lutas” na Antiguidade e Id. Média. Luta para se ter acesso ao mercado e determinar o preço do produto. Idéia legal: as lutas de preço são mais entre os trabalhadores e industriais e gerentes de empresa do que com banqueiros e acionistas– que são os que realmente ganham na negociação. (Disso se originou o socialismo patriarcal e os partidos de aliança entre estamentos ameaçados e proletariado contra a hegemônica burguesia).
Grupos de status são geralmente comunidades. Uma “situação de status” seria mais amorfa e determinada pela honra – mais estático. A honra pode ser qualquer valor partilhado pelo grupo. Distinções de classe podem estar relacionadas com distinções de status. Mas a organização baseada na honraria não precisa ter a qualidade de classe econômica para fazer sentido. Exemplo dos clubes alemães e americanos. A honra está ligada a um determinado estilo de vida. E que podem restringir as relações endogamicamente. O status opera quando há uma ação comunal de fechamento do estamento. Exemplo: democracia americana EUA: há um tipo de distinção pela moda – que é mais aceito socialmente (estabelecidos e outsiders), há um tipo de etiquetas e riscas a cumprir – como o duelo na época do Kaiser. E vários outros exemplos. O desenvolvimento do estamento se baseia na usurpação, que é a origem normal de quase toda a honra estamental.
Se o estamento se desenvolver completamente e fechado vira casta. Característica ritual. E também uma diferenciação étnica bem demarcada. Povos párias, como os judeus, vivem em eterna diáspora e fechado no grupo. As castas hierarquizam etnicamente a sociedade, dotando de rituais e determinações de separação. Nos estamentos há uma consideração de cada um se sentir mais “honrado”, enquanto que no sistema de castas a diferença de honra é dada em relação as mais privilegiadas– que tem determinantes políticos também. Não deixam de crer na sua própria honra específica. Diferença no tipo de honra e sentimento de dignidade de um estabelecido privilegiado e de um pária – vive a dignidade agora, e o outro, vive a dignidade no futuro. Não foi regra que os estamentos se estabelecessem a partir de divisão étnica – valor individual. O estamento é uma radicalização na seleção dos seus componentes. Não só o recrutamento é formador do estamento, mas principalmente a participação política e a situação de classe. Hoje, o estilo de vida necessário ao estamento é determinado economicamente. A monopolização dos bens e oportunidades materiais e ideais proporciona os motivos mais eficientes para a exclusividade de um estamento; embora em si mesmos eles raramente sejam suficientes, quase sempre exercem alguma influência. O papel decisivo de um “estilo de vida” na “honra” do grupo significa que os estamentos são os portadores específicos de todas as “convenções”. De qualquer modo que se manifeste, toda “estilização” da vida se origina nos estamentos ou é pelo menos conservada por eles.
O princípio de estratificação estamental tem como resultado a desqualificação das pessoas que se empregam para ganhar um salário que se opõe à distribuição de poder regulada exclusivamente por intermédio do mercado. O mercado é dominado pelos interesses funcionais, não reconhece as distinções pessoais e nada conhece de honrarias. Se a aquisição econômica e o poder econômico puro concedessem as mesmas honras a quem os conseguiu, a ordem estamental estaria ameaçada em suas bases, tendo em vista que a posse representa um acréscimo, mesmo que não seja reconhecida como tal. Todos os grupos que têm interesses na ordem estamental reagem com especial violência precisamente contra as pretensões de aquisição exclusivamente econômica. Só há uma única conseqüência que pode ser apontada quanto ao efeito original da ordem estamental, porém de grande importância: o impedimento do livre desenvolvimento do mercado ocorre primeiro para os bens que os estamentos subtraem diretamente da livre troca pela monopolização. As “classes” se estratificam de acordo com suas relações com a produção e aquisição de bens; ao passo que os “estamentos” se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens, representado por “estilos de vida” especiais. São precisamente as comunidades segregadas com maior rigor em termos de honra (as castas indianas) que mostram hoje, embora dentro de limites muito rígidos, um grau relativamente elevado de indiferença à renda pecuniária.
As classes estão para a ordem econômica, assim como os estamentos estão pra a ordem social, cada uma em seu lugar autêntico. Classes e estamentos influenciam-se mutuamente com a ordem jurídica, sofrendo também influências dela. Mas os partidos vivem sob o signo do “poder” orientados para a influência sobre a ação comunitária, que significa uma socialização, pois tal ação volta-se sempre para uma meta que se procura atingir de forma planificada. Os partidos são possíveis apenas dentro de comunidades de algum modo socializadas, ou seja, que têm alguma ordem racional e um “quadro” de pessoas prontas a assegurá-las, pois os partidos visam precisamente a influenciar esse quadro, e, se possível, recrutá-lo entre os seus seguidores.
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